14 dezembro 2013

Dente por dente

Quando li o primeiro livro da trilogia escrita por Jenny Han e Siobhan Vivian, eu não esperava nada demais. A sinopse, a capa... nada era atrativo de fato para mim. Mas eis que dei uma chance e o livro revelou-se uma grata surpresa para passar o tempo.

Recentemente, recebi da Novo Conceito a continuação do livro. Fiquei impressionada pela rapidez da publicação, sério! É até bom, assim os personagens e acontecimentos estavam fresquinhos em minha memória. Só faltou um livro um grau mais detalhado de revisão, pois os errinhos característicos da pressa estavam lá também.  

Dente por dente continua a história depois da festa de Homecoming. As três adolescentes estão preocupadas e tensas com os desdobramentos que os acontecimentos daquela noite podem trazer. Será que alguém descobrirá tudo? Os planos, a ligação entre elas? Irão presas?

É um livro em que somos convidados a conhecer melhor as protagonistas. Lillia tem que lidar com uma Rennie cada vez mais ciumenta e invejosa. Mary desespera-se ao perceber que Reeve ainda não se sente totalmente culpado pelo que fez. E Kat... bom, Kat gosta desses joguinhos.

Mesmo com o desastroso Homecoming, elas não se aquietam. Decidem, por fim, dar uma última cartada. Selar a amizade... ou não.

As primeiras páginas do livro são um pouco maçantes, recheadas de lamentações e lamúrias. Porém, conforme a história avança, atinge a mesma velocidade do livro anterior, te conquista de vez e PAM! Acelera. Supera, sem sombra de dúvidas, Olho por olho.

Sabe aquela lei da física que diz que toda ação tem uma reação? Pois é. Olho por olho, dente por dente. E que venha Fogo por fogo!


FICHA
Autores: JENNY HAN | SIOBHAN VIVIAN
  • Título: Dente por Dente
  • Selo: NOVO CONCEITO
  • Ano: 2013

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09 dezembro 2013

de coração para coração

                FATO NÚMERO 01: sick-lits¹ estão na moda. Para aqueles que não estão familiarizados com esse termo, explico:  literatura enferma, literalmente. São livros voltados para jovens envolvendo histórias de pacientes com doenças. Daí temos: A Culpa é das Estrelas, Extraordinário, Antes de Morrer, etc. São,  basicamente, dramas adolescentes que resolveram extrapolar o mundo dos primeiros amores. Neles, as narrativas são mais down e o leitor, inevitavelmente, se apega a um personagem que não sabe se estará vivo até o fim do livro.
                FATO NÚMERO 02: de coração para coração é mais um que tenta pegar carona nessa nova tendência literária. Segundo a orelha do livro, a autora sempre escreveu sobre personagens com doenças crônicas ou em fases terminais, mas como ela é completamente desconhecida no Brasil, é óbvio que só foi lançado por aqui por modinha.



        A trama se propõe a falar sobre perda, amor e renovação. Gira em torno de três personagens: Elowyn, Kassey e Arabeth. Elowyn e Kassey são melhores amigas, enquanto Arabeth nunca teve a sorte de ser amiga de ninguém. A vida das três é, repentinamente, unida de uma forma bastante trágica e inimaginável, e os destinos delas se confundem.    
Apesar da capa linda que a Novo Conceito preparou e da edição impecável, é aquele tipo de história fraca para durar mais de 200 páginas. Só existe um acontecimento extraordinário no livro, e isso é tão claro que o próprio resumo da editora no fundo entrega o livro todo de cara – porque, claramente, eles não tinham mais nada sobre o que falar.
É uma leitura rápida (01 noite!), prova de que falta um pouco mais de consistência e substância. O livro não tem a pretensão de ter mistério nenhum, o que é uma pena, pois o leitor não é convidado a supor ou imaginar nada, está tudo ali tão claro que chega até doer. O tema sugere possibilidades inúmeras, e nenhuma dela é agarrada de fato pela autora. Uma pena. Resumindo: tudo poderia ter sido melhor explorado, e muito menos poderia ter sido dito.


¹ Saiba mais sobre sick-lit aqui.
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03 dezembro 2013

engarrafamento

O Fiat Uno vermelho estava puto com toda aquela demora. Vinte e oito minutos, e só andara o suficiente para ultrapassar a faixa de pedestre sobre a qual, à contragosto, havia parado em cima.

Sábado à tarde, e todo aquele engarrafamento na avenida. Não fazia sentido. Com certeza acontecera algum acidente grave. De repente, sentiu-se mal por estar reclamando: alguém podia estar morto.

Ouviu a S10 à sua frente desligar o motor. Porra, esse era definitivamente um mau sinal. Com um monstro daquele tamanho à sua frente, não via nada, de modo que era obrigado a aceitar os sinais transmitidos pela ignição.

Desligou também. Mas deixou o sistema elétrico ativo. O calor estava de matar. Teve pena do Renault Sandero ao seu lado, que jazia com as janelas abertas.

Queria água, mas todos os ambulantes pareciam ter evaporado em meio àquela quentura. Ou talvez eles estivessem, juntos, manifestando lá na frente, por mais benefícios na profissão, ou sei lá. Talvez fosse isso, manifestar estava em alta.

Ligou o rádio, esperançoso por ouvir algo que justificasse aquele trânsito caótico na cidade. Visita do papa, copa do mundo surpresa, distribuição gratuita de imóveis. Não encontrou nada além de um “em minutos, notícias do trânsito”. Os minutos passaram, as propagandas começaram a se repetir. Desligou.

Subitamente, a S10 deu partida. Antes que o Uno pensassem em fazer o mesmo, parou. Droga. A sorte foi que passou um ambulante bem na hora. Manifestação deles, ao menos, não era.

Comprou a água. O vendedor o aconselhou a comprar mais duas, pois alguém tinha se suicidado na passarela e iam demorar para liberar a avenida. Comprou mais uma só, por segurança.

Oras, isso era hora de suicídio?

Oitenta e sete minutos. Estava atrasado há oitenta e sete minutos. Um menino, aparentando não mais que doze anos, passou vendendo amendoins. Comprou dois pacotes, mas foi aconselhado à comprar mais, já que o recapeamento da via tinha travado todo o fluxo.

Se o momento fosse outro, sentiria-se impelido a também aconselhar o menino, e pergunta-lhe sobre a família, a escola e as notas. Mas a novidade do recapeamento, com suas máquinas e operários, ocupou seus pensamentos.

O garoto foi embora, e depois de mais uns vinte e dois  minutos parado, o Uno começou a andar. Nos primeiros três minutos, não passou da primeira marcha. Mais lento do que as pessoas que caminhavam na calçada, mas pelo menos já era algo.

Mal acreditou quando passou a segunda marcha. Logo, já estava com 35km/h. Abriu a janela, de tão saudoso que estava da sensação do vento. Acelorou mais, e mais, e mais, e quase não acreditou quando não encontrou nem acidentes, nem mortos, nem máquinas.








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02 dezembro 2013

nossa garoa

      Outro dia peguei-o observando a janela. Seu olhar não estava tão distante a ponto que não pudesse refletir para mim a dança da chuva. Aquela era a minha janela preferida. Lembro-me quanto me debrucei nela pela primeira vez, há quase vinte anos.

Há quase vinte anos, estávamos em junho, e caía uma garoa fina lá fora. O restaurante, com seus estofados antigos e com cheiro de mofo, não era muito bom, muito menos a comida, mas quase não notamos.
“Elas dizem muito sobre você”, comentei, enquanto acariciava levemente seu rosto pela primeira vez. Sua pele era macia, embora tivesse percebido certa rigidez inicial ao sentir o meu toque. Nada comentei.
“Elas quem?”, perguntou, curioso, ao mesmo tempo em que tirou minha mão do seu rosto e a acariciou, carinhoso.
“Ninguém. Esquece”, desconversei, sorrindo. Não precisava confessar tão abertamente o meu fetiche por olhos. Isso não tinha importância. Importante era que aqueles olhos fossem sempre para mim a vitrine de suas emoções.

 “Acho que estou um pouco saudosa hoje, meu amor”, disse, tocando levemente seu ombro nu. Sentando ali, imóvel, no parapeito da janela, ele era personificação dos meus sonhos de adolescente; porém, a fase em que eu me contentava apenas com sonhos platônicos já passara há muito, não tinha mais tempo para jogos. Com efeito, a minha fala o fez despertar de seu transe. Seus olhos me encararam com ternura.
“Meu bem, sente-se aqui! Veja que beleza de chuva...” Então, puxou-me pela cintura, conduzindo-me para seu colo. Enfim, depois da seca, estávamos sendo regados outra vez.

Contra tudo, só saímos do restaurante quase à uma da manhã. Esperamos em vão a chuva passar, até percebermos que os planos dela não eram os mesmos que os nossos. Contamos até dez e corremos pelas ruas escuras de Santiago de Compostela. Naqueles meses, morávamos na Espanha. Eu, intercambista. Ele, biomédico pesquisador. Corremos feitos bobos pelas ruas históricas e estreitas daquele cantinho da Galícia.

“Sabe o que eu mais gosto quando fazemos as pazes?” Ele me perguntou, com a mão na minha barriga e respiração lenta.
“De correr na chuva de mãos dadas?”
Na casa vizinha, uma música começou a tocar. Ouvíamos em tom baixíssimo, mas ouvíamos. Pela linha de riso que os lábios deles formaram, reconheci: Mercedes Sosa. A única que estava com ele há mais tempo do que eu.
Pero no cambia mi amor
por mas lejos que me encuentre
ni el recuerdo ni el dolor
de mi pueblo y de mi gente

“Se todos os vizinhos tivessem bom gosto como o Juan, todas as brigas de condôminos seriam apaziguadas. Mas não, não é correr na chuva, meu bem. Quer dizer, é sempre bom correr na chuva contigo” – disse, ao mesmo tempo em que me puxou para dançar. “Gosto da sensação de termos fechado janelas que não nos levam a lugar nenhum.”
Permanecemos em pé, abraçados, por um longo período, mesmo depois que a música acabou.

 “Gosto de poder abrir meus olhos e te ver ao meu lado”.
Foi a sua primeira fala romântica dirigida a mim, quando despertamos juntos pela primeira vez. Do lado oposto da janela, caía um aguaceiro torrencial. Era então agosto, e as chuvas típicas da região denunciavam o fim do verão. Logo viria o inverno, e aquele quadro se tornaria mais frequente. A melhor estação da minha vida.
Passei a viver mais no seu apartamento do que no meu. Carolina e Louise, minhas companheiras de piso, costumavam ameaçar alugar meu quarto, já que eu nunca estava em casa. Não ligava. Naquele tempo, só pensava naqueles olhos inebriantes de beijos leves e infinitos. Através deles, só via chuva e promessa de vida.
“Eu o amo”, confidencie à Carolina. Tinha que contar para alguém.
“Isso é loucura”, bradou.  “Em três meses você terá de voltar para o Brasil e ele continuará aqui, com suas pesquisas. Em que mundo vocês acham que isso dará certo?”
               
Sorri ao ouvi-lo dizer aquilo. Sentia exatamente a mesma coisa. Nos últimos dias de julho, desde que chegara de uma recém-visita aos meus pais, brigávamos todos os dias, como duas crianças teimosas. Essas brigas se intensificaram no mês seguinte, e não foi a primeira vez que pensei em terminar com tudo aquilo. Voltar para o Brasil mais uma vez.
             
     Em que mundo aquilo daria certo? Carolina e seu bom senso tinham razão. Em dezembro, retornei ao Brasil. Aquele relacionamento era impossível. À princípio, tudo me lembrava ele. Em todos os lugares, via o olhar cabisbaixo que me levara ao aeroporto. Estava ficando louca. Falávamo-nos com frequência por telefone, mas era caro e ele não tinha linha em casa. Também me enviava cartas. Através dela, soube que ele tinha aprendido a cozinhar tortillas – iria um dia fazer para mim -, que as chuvas incessantes continuavam e que o espaço vazio na sua cama incomodava-o cada vez mais.
               
Não respondi nenhuma carta. Não tinha estômago. Já era difícil falar com ele no telefone, imagina registrar tudo aquilo que sentia? Estava seca, tal como o tempo em João Pessoa. No Natal daquele ano, recebi através do carteiro uma caixa de chocolates belga, com um cartão que dizia, entre outras palavras, como tudo lá lembrava a mim para ele, e sobre como ele sentia a minha falta. Comi os chocolates com a mesma avidez que rasguei o cartão em pedacinhos. Se o modo como nos relacionávamos naquele momento fosse chuva, eu era a garoa, e ele a tempestade.
Logo após o ano novo, decidi que era hora de me libertar de algumas amarras. Me permiti sair, beber com amigos, acompanhada de uma sensação de liberdade que não sentia há meses.

Conforme setembro chegava, as coisas melhoravam entre nós. Sempre fora assim. Ele ficava mais carinhoso, eu mais aberta.
“Quer um pouco de sopa de abóbora? A Ângela ontem congelou um pouco para nós.” – disse, desvencilhando-me do seu corpo.
“Você bem sabe que eu não recuso nada que a Ângela faça!”
“É, bem sei! Por isso que você não reclamou da minha ausência durante esses meses todos que passamos separados dessa vez!”, brinquei.

“Queria te fazer uma surpresa”, ele me disse, entre risos, quando eu abri a porta da minha casa. Era carnaval, e ele aparentemente combinara tudo com meus pais.  Pisquei duas vezes, incrédula.
“O que foi, não gostou? Não vai me dar, ao menos, um abraço?”, suas janelas me encaravam, um par de gêmeas semicerradas.
Naquele momento, entretanto, ficou claro para mim que não era a distância que estava complicando nosso relacionamento. Eu era. Já não o queria. Todo o seu carinho e cuidado, não eram pra mim. Combinavam com o meu eu galego, não com o meu eu brasileiro. Como dizer isso? Como confessar que, em todas ligações que fingi não estar em casa, a Ângela, nossa velha empregada, me acobertara? Santa Ângela. Como dizer que já tinha o carnaval todo programado com as meninas: as praias, as festas, as fantasias?
Abracei com força, como se aquele ato pudesse ser capaz de eliminar qualquer sensação negativa. Eu o amava há dois meses, havia mudado tanto? Senti calor, mas acho que era da estação.
Ele instalou-se em minha casa, e tentei continuar o que fora interrompido na Espanha. Tinha apenas dez dias para curar aquela relação. Íamos juntos para todos os lugares. Apresentei ele à minha família, aos meus amigos.  Porém, ele também começou a mudar. Já no segundo dia, estava mais calado e introspectivo. No terceiro, quase não tínhamos assunto. E no quarto, começou a ciumar de meus amigos. Os dias estavam cada vez mais áridos: a discussões eram cada vez mais agressivas e calorosas, e os motivos, os mais tolos possíveis.
Terminamos. Um dia antes dele regressar à Espanha, trocamos acusações horrendas e decidi, em prantos, que não queria mais aquilo para mim. Ele não discordou. Saiu e não regressou mais até o momento do voo, para se despedir de meus pais.

Trouxe a Ângela para a Espanha depois de uma de minhas temporadas no Brasil. Quando eu era ainda uma criança, ela contava-me todas as noites histórias de princesas que viviam em castelos europeus. Decidi que ela deveria ter a oportunidade de visitar seus sonhados castelos.
Costumava ir para casa todos os anos em junho, para visitar meus pais, resolver pendências no consulado e na faculdade. Demorava, em média, três meses. Era um período complicado para nós, mas diferente da primeira vez, eu sabia que iria regressar, e chegaria junto com as primeiras gotas do outono.

Não tive notícias dele por treze anos. Nesse intervalo, concluí a minha graduação em Geografia, namorei outros caras, saí de casa, mudei de cidade. Segui em frente. Dizem que o primeiro amor nunca esquecemos, mas o meu perdi em meio à minha bagunça.
Em 2006, fui convidada a palestrar pela faculdade que lecionava em um evento internacional em Zurique. Participava de uma mesa redonda sobre o efeito do aquecimento global nos níveis de precipitação de algumas localidades do mundo, quando percebi que era observada. Estava visivelmente mais velho, com um punhado de cabelos brancos crescendo e indícios de futuras entradas no couro cabeludo. Mesmo assim, o reconheci.
     No final da programação do dia, nos reencontramos. Descobri que ele estava ali porque era um dos pesquisadores homenageados do evento. Falei um pouco sobre mim, e perguntei como estava minha querida Espanha. Ele me convidou para um café fora do hotel. Aceitei, sabendo que não conseguiria dizer não. Àquela altura, as lembranças de Santiago já me embalavam. Deus, o que estava acontecendo comigo?

     Ele puxou a cadeira para que eu sentasse, e foi buscar a tigela com a sopa. Adorava a nossa cozinha: era ampla, clara, e, depois da última reforma, tinha uma claraboia. Às vezes ia ali sem motivo, só para observar o céu cinzento.
     “Eu ainda posso me servir, sabia?” , protestei, observando-o de soslaio.
     “Não, não pode” , disse, ao me entregar a comida. Sentou-se à minha frente, e segurou minhas mãos. As gotas de chuva que caiam sobre as telhas cerâmicas proporcionavam uma trilha sonora aconchegante para o nosso jantar. “Enquanto você estiver carregando a minha semente no ventre, será mimada em todos os momentos do dia.”
    
Ao chegarmos à recepção do hotel, vislumbramos o que acontecia lá fora, através das altas esquadrias de vidro. Uma chuva forte caía, amparada por raios e estrondosos trovões em intervalos de tempo regulares. Já não tinha dúvidas do que aconteceria.
     Semanas depois, estava de mudança para Santiago. Meus pais não entenderam quando lhes contei de como havia me apaixonado pelo mesmo homem, e muito menos quando informei que estava de mudança definitiva para a Espanha. Era lá que dávamos certo, só lá. E somente nos meses chuvosos. Era como se água da chuva fosse capaz de purificar aquele relacionamento, renovando-o e levando consigo todas as impurezas acumuladas.


     Estava grávida. Três meses. Descobrimos depois da última temporada de calorosas discussões. As temporadas de inconstâncias teriam, por fim, um término. Logo, ela chegaria para nos curar definitivamente. Ela, nossa garoa.



*Conto final desenvolvido na oficina de escrita criativa, ministrada por Katherine Funke.


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Doces Palavras

Isac era um menino muito levado de seis anos de idade. Travesso, não parava quieto, em casa ou na rua. Até o dia em que descobriu as palavras e se apaixonou por elas. Começou a passar a maior parte do tempo na biblioteca de sua mãe, encarando páginas completamente preenchidas por símbolos que ainda não conseguia decifrar por completo.
Intrigada, sua mãe tentava compreender aquela súbita mudança no comportamento do filho. Dias antes, ele inventava qualquer desculpa para passar a tarde no parque com os amigos, e ignorava os esforços dela, que insistia em lhe ensinar as primeiras letras.
Quando ela comentou com o esposo sobre ao inesperada nova rotina do menino, ele tentou tranquilizá-la: era só uma fase; devia ser a filosofia da escola finalmente fazendo efeito; e, afinal, porque ela estava reclamando? Não era aquele o seu sonho? Oras!
“Mãe, qual a diferença entre hora com H e ora sem H?”
Era a primeira vez que ele lhe perguntava algo espontaneamente, e ela resolveu por fim acreditar na teoria do esposo. Finalmente seu filho mostrava-se interessado pelas palavras, embora ela não soubesse o que despertou nele tamanha ânsia.
“Mãe, o que significa ansiedade?”
Assim, as tardes de jogos de rua deram lugar à incontáveis perguntas e questionamentos, conduzidos pela curiosidade daquele garoto. Isac aprendeu a ler e a escrever rapidamente, e só encontrava os amiguinhos pela manhã, na escola.
“Reunião escolar, dia 18, às oito horas”, Isac leu para a mãe o bilhete que recebera da professora. “Amanhã.” Antes de subir para o quarto e trocar de roupa, fez mais duas perguntas à mãe.
“Mãe, o que é suspensão? E cárie?!”
Seguiram juntos para a escola na manhã seguinte.
“Seu filho”, disse a professora, “está vendendo palavras.”
Ao perceber no confuso semblante da mãe que ela não havia entendido nada do que acabara de dizer, a professora continuou.
“Descobrimos que ele se gaba com os coleguinhas de ter a mãe mais inteligente do mundo. Que cobra uma bala por cada pergunta respondida. Por sua mãe. O que a senhora tem a dizer sobre isto?”
*Conto produzido na oficina de escrita criativa ministrada pela contista Katherine Funke

 
Déa e eu na aula de contos, por K. Funke.
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Editado por Agnes Carvalho. Imagens de tema por andynwt. Tecnologia do Blogger.

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